Crítica de A chuva que derrete o mármore até chegar ao cadáver – Alberte Momán Noval

 



A chuva que derrete o mármore até chegar ao cadáver é uma obra poética que se inscreve no território das experiências extremas da linguagem, do corpo e da existência. Escrito por Alberte Momán Noval, este livro não é simplesmente um conjunto de poemas, mas um organismo vivo de fragmentos viscerais que se entrelaçam num fluxo contínuo de desejo, culpa, erotismo e pensamento crítico.

Dividido em segmentos sem uma ordem narrativa convencional, o texto desenvolve-se como um mantra do desassossego, onde o eu lírico se fragmenta e se expõe como matéria poética em constante colisão com o mundo. A chuva — elemento do título — não é só imagem de dissolução, mas metáfora do tempo, da erosão das certezas, da aproximação da morte (o cadáver) e, ao mesmo tempo, da revelação.

A linguagem é o principal instrumento de escavação nesta obra. Momán desafia a sintaxe e o verso clássico, lançando mão de um ritmo ora abrupto, ora sensual, ora seco como a pedra, ora molhado como o suor ou o sêmen, ambos muito presentes ao longo do livro. A sexualidade é representada sem pudor, mas também sem glorificação. Ela surge como território onde se articulam poder, entrega, vulnerabilidade e fratura.

Um dos aspectos mais marcantes da obra é o constante movimento entre o corpo e o texto: o poema é carne, é secreção, é impacto. Há versos que comparam a escrita a um ato sexual, com o mesmo grau de entrega e violência emocional. O autor transforma o corpo humano — e especialmente o corpo marginalizado, prostituído, fatigado — em instrumento de reflexão sobre identidade, exclusão e transcendência.

A dimensão crítica também se insinua em diversas passagens. O autor questiona o papel da literatura e do próprio poeta numa sociedade que naturaliza o sofrimento e transforma a dor em produto cultural. O poema, para Momán, não é um consolo. É um lugar de conflito, onde se desenha o limite entre a lucidez e o delírio, entre a linguagem e a carne.

Há no livro também uma pulsação política. Sem recorrer a slogans, Momán expõe os mecanismos de dominação que agem sobre os corpos: o trabalho, a moralidade, a exclusão social. Mas a resposta não é o conformismo. É o erotismo como rebelião, o poema como ferida aberta, o gesto poético como ato de resistência.

Em suma, A chuva que derrete o mármore até chegar ao cadáver é uma obra que exige do leitor entrega total. É intensa, inquietante, desconcertante — e profundamente bela na sua coragem de ir até o fundo do abismo do ser. Um livro necessário para quem entende que a poesia pode — e deve — doer.