Luis Mazás sobre Barata minha barata


(Barata, minha barata, Chiado books, 2018)
Recensão do livro por Luís Mazás López

A luz não é mais que um remorso. Construiríamos um mausoléu imaterial para os nossos mártires sobre uma ideia que nunca foi.
Começa assim, em chave poética, o livro de Alberte Moman Noval, Barata minha barata.  É o início duma alegoria da paragem da destruição. As ruinas do mundo que nos toca viver. Todos vivemos dos restos da morte que acampa neste Far West que é a sociedade de hoje.
O barulho como uma forma inútil de comunicação, ou mais bem, de ausência de comunicação. A sociedade atual vai enveredada para uma ausência de interação verbal.  A tertúlia, a simples conversa entre amigos e vizinhos já não quadra com as praticas do dia a dia tão individualistas. 
Se o leitor me permite esta digressão, o auge mesmo das compras por internet não deixa de ser a consequência do já referido. Para o homem de hoje, que vive a contrarrelógio, não tem sentido perder o tempo em ir a uma loja. Teria que se molestar em socializar-se com o vendedor. Este é o preço que temos que pagar pela evolução da sociedade pós-moderna, acunhando o termo  condição pós-moderna  de  Jean- François Lyotard.
Alberte adentra-se neste relato, em chave de ciência ficção, na escuridão e a destruição que nos pode levar o a evolução ou involução da sociedade, segundo a cor com que se olhe. O chão propício para a construção dum pensamento novo não é o sentido comum nem uma estrutura anterior de pensamento. São as ruinas. Como afirmava Walter Benjamin, uma multidão de caminhos sulca os escombros.
Do entulho, surge este relato que nos introduz no universo do oculto com um estilo ágil e dinâmico. A barata, ser que não é relevante, alimenta-se dos despojos do que lhe sobra a esta sociedade do consumismo atroz. 
A barata diz: Nós estamos vários degraus acima da pirâmide alimentar. Não só encima, estamos em lugares onde há alimento. É importante não ter escrúpulos para nutrir-se do que outros secretam. Mas é o secreto do êxito. 
Os insetos, finalmente, apoderam-se deste mundo descrito por A. Moman com a sua fina ironia. Apresenta-nos uma sociedade muito polarizada: os altos e os baixos. Há umas linhas brancas que separam as zonas destinadas às classes acomodadas. É evidente a piscada de olho com o 1984 de Orwell e também com filme Blade Runner. Distopias que nos apresentam uma sociedade destrutiva, um futuro em decadência. 
Em palavras de Marx: Tudo o que era sólido e estável é destruído. Tudo o  que era sagrado é profanado, e os homens vem-se forçados a considerar as suas condições de existência e as suas relações recíprocas com a desilusão.
A distopia pós-moderna funciona como uma advertência à respeito dum caminho que não há de ser seguido. O futuro aparece como um caminho com escassas alternativas. A escuridão pode ser este resultado atroz.  Esta ausência de luz é um elemento salientado por Alberte, advertindo-nos deste futuro difícil de eludir. 
Neste relato aparecem os vetores que utiliza o poder como recursos contra o ser humano: O sofrimento extremo (Orwell) ou o prazer (Huxley)
O sofrimento aparece em muitas ocasiões como o do homem, protagonista da primeira parte, que têm uma mordedura na perna que lhe fez uma barata.
O prazer também está descrito como uma forma de niilismo. Na terceira parte, o personagem do gigante trabalha num clube onde sodomiza a homens. O sexo vê-se como uma válvula de escape de uma vida que se apresenta abocada à escuridão.
Outro elemento presente nesta novela é o fracasso. O protagonista da primeira parte trabalha no cinema dum centro comercial. Pertence a um comité revolucionário que finalmente logra destruir a cidade, explodindo as centrais elétricas. Esta revolução aparece tingida de fracasso. A destruição não conduz a nada positivo. O caos é uma constante em todo o relato. 
O homem, protagonista da primeira parte, falece e a sua companheira foge a outro lugar onde finalmente será conquistado pelas baratas. O inseto trunfa sobre o ser humano. É muito mais forte que o homem.
 A presença das baratas está relatada com umas pinceladas de humor. Tanto o inseto que resgata a mulher num carro veloz como o combate sexual entre o gigante e um cliente que é uma barata. O inseto vence ao gigante, deixa-o extenuado. De novo experimentamos o poder das baratas sobre os homens.
A ironia e o humor é uma constante na obra de Alberte Momán. Os que o conhecemos pessoalmente, desfrutamos com o seu sentido de humor. Eis a retranca galega tão saudável, e que tanta falta nos faz, a que proporciona a este relato um ar fresco que cativa ao leitor.

Bibliografia:
La condición Postmoderna, Jean- François Lyotard, Cátedra, 1989
En torno a la Posmodernidad, G. Vattimo y otros, Anthropos, 1990.
Distopia y nihilismo. De la utopia como tempo de la esperanza a la Distopía como tempo del fin. Christian Retamal H. Universidad de Santiago de Chile.