O outro dia li umas declarações de Tarantino
sobre uns filmes de zombies (e não só) feitos com Robert Rodriguez, com os que
perderam dinheiro. Ele afirmava que o público não percebera o que
estava a ver. Na verdade, estavam a recuperar a memória do que para
os ianques são os clássicos do cinema serie B. A
diferença de Tarantino, quando comecei a
escrever narrativa já tinha claro que o
que estava a fazer não havia ser percebido por ninguém. Se
calhar, também eu não o percebia. Pode que só me guia-se pela
vontade de experimentar, a vontade de condensar os elementos da minha
infância e adolescência em um só livro.
Quando comecei a escrever Olegado extraterrestre. Unha micronovela psychobilly
havia muitas coisas que não tinha claras, pero
sabia
que não queria fazer uma historia seria, sabia que
se tratava de
um divertimento, mas também queria que fosse um divertimento com
certo conteúdo. Nunca gostei dos heróis, sempre
os considerei a
representação duma auto-suficiência individualista e ligava-os à
forma que têm os ianques
de perceber a justiça pela mão,
desde um ponto de vista reacionário. Desde
novo gostei sempre do rockabilly, da evolução deste cara a outros
estilos, mexendo-se
e variando os ritmos, até chegar até o que The Meteors denominaram
psychobilly. Naquela
história recuperei
os heróis clássicos para os converter em pessoas cheias de traumas,
com
uma ideia semelhante à que hoje se descreve na série televisiva TheBoys, e fabriquei uma peça literária,
com banda sonora de The Meteors, inspirada nas letras dos temas dos
anos 60, que este grupo também emprega, e com um ritmo frenético,
onde as cenas se sucedem sem deixar tempo para o descanso. Nas
seguintes novelas, fiz variações da mesma fórmula, mas eliminando
o prescindível, os heróis clássicos. Só num caso os retomei para
criar a Lapamán, o mutante do Morraço.
Hoje,
recuperando as raízes daquele começo narrativo, recordei ao
que tem sido um dos iniciadores do movimento rockabilly na evolução
cara ao punk e o phycobilly, Hasil “The Haze” Adkins. Uma pessoa
que sempre me recorda ao Leo, se calhar pelo que disse
o escritor
americano Nick Tosches: "Como a Bíblia e o papel higiénico,
a música de Hasil Adkins pertence a todos os lares, e nenhum é um
lar sem ele". Ele também poderia ter dito que Adkins escreveu a
Bíblia rockabilly em papel higiénico.